A locação traz em seu conteúdo principal a transferência do direito de uso de determinado bem, tendo como retribuição um pagamento. É, na verdade, a cessão onerosa do direito de uso do bem, originariamente por prazo limitado. Nela existem as figuras do LOCADOR, que é aquele que cede o uso, podendo ou não ser o proprietário do imóvel e o LOCATÁRIO, figura que recebe o bem para dele usufruir. Como estamos tratando da preferência nos imóveis alugados, a partir daqui nos manifestaremos diretamente a respeito destes. Depreende-se da própria explanação que, na locação, não existe a transferência do imóvel, não trazendo ao bem, pela pura relação, qualquer gravame.
A LEI INQUILINÁRIA, de natureza protecionista, desde a sua origem tem se preocupado com o direito de o locatário adquirir o próprio imóvel que lhe é locado. Esse enfoque legal é e sempre foi absolutamente legítimo, principalmente tendo-se em vista que o objetivo social nos conduz no sentido de que cada pessoa possua seu meio próprio de habitação, aí se considerando o vocábulo no seu sentido lato, incluindo os imóveis destinados a fins profissionais. As LEIS INQUILINÁRIAS anteriores normalmente faziam referência ao direito de preferência, mas certo é que nunca trataram a questão com a necessária especificidade, o que sempre dificultou a solução pacífica em caso de venda de imóvel alugado.
A LEI INQUILINÁRIA atual (8.245/91) veio cristalizar o direito de preferência na aquisição do imóvel locado e o fez com a necessária caracterização prática, obviamente decorrente da análise das questões e jurisprudência anteriores. Assim é que principiou por definir a existência do direito do locatário adquirir o imóvel locado, em igualdade de condições com terceiros, no caso de venda, promessa de venda, cessão, promessa de cessão de direitos ou dação em pagamento. Para a efetiva prova de todos os fatos a norma legal obrigou o locador, na ocorrência de qualquer destas hipóteses, a proceder a cientificação do locatário, de forma inequívoca.
Como se poderá verificar do texto legal, não existe uma forma específica para a cientificação do locatário, tal podendo ser judicial ou extrajudicial. O mais comum é a ciência se operar por carta, com comprovação de sua entrega ao destinatário. Em caso de ser a ciência dada por carta, recomendamos que seja entregue pessoalmente ao destinatário ou remetida através do Cartório de Registro de Títulos e Documentos, vez que a carta registrada, mesmo com aviso de recebimento, pode ter negado o seu conteúdo, com sucesso.
A norma legal, na sua especificidade, foi além. Determina que a comunicação contenha todas as condições do negócio e, especialmente, o preço, a forma de pagamento, a existência de ônus reais, o local e o horário em que a documentação do imóvel poderá ser examinada. A disposição tem razão de ser, vez que a inexistência de tais informações, devidamente comprovadas, induvidosamente, tornaria estéril as obrigações.
Outro tópico importante da norma especial Inquilinária se prende ao fato de que estendeu aos sublocatários o direito de preferência. Obviamente que se presume, para o exercício, ser consentido e que seja a sublocação da totalidade do imóvel. Só não aproveitada a preferência pelo sublocatário, é que este volta ao locatário, que poderá exercê-la com legitimidade. A preferência é estabelecida para todos os sublocatários, ou para qualquer deles, se não houver mais de um interessado.
A preferência de compra abrange a totalidade do imóvel oferecido. Assim é que a oferta deverá englobar a sua totalidade, para a sua validade. Outro ponto extremamente importante é que a preferência, em caso de igualdade de pretendentes vinculados à locação, obviamente dentro de cada categoria (locatário ou sublocatário), será dada àquele que tiver o vínculo locatício mais antigo e, sendo estes da mesma data, ao locatário mais idoso. Aí surge uma dúvida no que concerne às locações celebradas com pessoas jurídicas, caso em que entendemos deva ser usada a mesma regra, ou seja, outorgar-se a preferência à mais antiga.
É importante tratar, também, o caso de um imóvel que pertence a várias pessoas e que só uma delas quer vender a sua parte. Neste caso específico continua a existir a preferência dos locatários e sublocatários, como visto, mas antecede a elas o direito de preferência do condômino, que terá prioridade absoluta.
A LEI INQUILINÁRIA, a despeito de ser tipicamente protecionista, não poderia deixar que o locador permanecesse indefinidamente à espera de resposta. Assim é que o interessado deverá manifestar-se, de forma inequívoca, com aceitação integral da proposta, no prazo de 30 dias, sem que decaia do direito. Deverá o locador esperar o prazo para a alienação do imóvel, ressalvado o caso de recusa imediata, até no próprio documento de oferta, o que é até comum, para liberar completamente o proprietário para a transação.
A aceitação da proposta, de forma inequívoca, obrigará o locador para com o pretendente. Não pode, pois, o locador simplesmente fazer uma oferta e, à sua aceitação, arrepender-se. A LEI INQUILINÁRIA, nesse ponto, não só definiu a norma, como caracterizou a penalidade específica para o seu não cumprimento, quando o locador responderá por todos os prejuízos causados, inclusive lucros cessantes. Significa dizer que pagará não só o que o pretendente à compra perdeu, como o que deixou de ganhar em decorrência no ato ilícito praticado.
O locatário ou sublocatário preterido no direito de preferência tem direito a perdas e danos. Mas não termina nesse ponto o seu direito. Se possuir contrato locatício averbado, pelo menos 30 dias anteriormente à operação, no cartório de registro de imóveis poderá exigir para si o imóvel locado, desde que o requeira até seis meses da data do registro da operação no cartório imobiliário e deposite o preço e as despesas de transferência no próprio ato. A preocupação do legislador é bem clara quando, na própria norma especial Inquilinária, define que a averbação do contrato será concretizada com a apresentação, ao cartório, de qualquer via do pacto, desde que assinada por duas testemunhas.
Mas será que o direito de preferência atinge todos os casos de transmissão do bem imóvel? A resposta é negativa. Não alcança os casos de permuta, venda por decisão judicial, perda da propriedade, doação, integralização de capital, cisão, fusão ou incorporação. Com razão as exceções. Na permuta seria impossível prevalecer a preferência, pois a essência dela é exatamente a troca de um bem que o locador quer, por aquele genericamente sujeito ao direito de preferência. A venda judicial e a perda de propriedade, na realidade, não se constituem atos voluntários do proprietário. A doação é um ato de pura liberalidade e o legislador entendeu a sua importância, deixando-a à margem da proibição, mesmo porque não se poderia equipara-la a uma operação simples. As transferências em decorrência de cisão, fusão ou incorporação de empresas não seriam sequer transferência, tomado o sentido estrito da norma, mas simples ficções jurídicas criadas para atender a determinadas situações empresariais.
Em conclusão se pode afirmar, sem medo de erro, que a atual LEI INQUILINÁRIA tratou a questão da preferência com zelo e felicidade ímpares, deixando pouca margem de discussão a respeito da questão. O cuidado ao se proceder a alienação de imóvel alugado é extremamente importante, para se evitar futuros aborrecimentos e prejuízos.
Sebastião Sidney Soares
Advogado
OAB/MG 13.418